23 de Janeiro de 2013 | fonte: http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/conversa-de-bicho/leishmaniose/
Na semana passada, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3), em São Paulo, declarou ilegal a portaria interministerial, dos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que proibia o tratamento de cães com leishmaniose visceral canina utilizando medicamentos de uso humano ou produtos não registrados pelo Mapa. Até então, a recomendação era fazer a eutanásia do animal infectado.
A ação foi iniciada em setembro de 2008 pelo advogado Wagner Leão do Carmo, representando a ONG Abrigo dos Bichos, de Campo Grande (MS). Na decisão favorável à apelação do advogado, o tribunal entendeu que a Portaria 1.426/08 “extrapola os limites da legislação que regulamenta a garantia de livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis de protetivas do meio ambiente, em especial a fauna”.
Mesmo com a decisão publicada na última quarta-feira (16/1), no Diário da Justiça Federal da 3ª Região, a liberação é contrária à posição do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), que manteve a orientação aos veterinários de não tratar animais que forem diagnosticados com a doença, ficando sujeitos às medidas repressivas. O profissional poderá responder a processo ético profissional e, ainda, à representação no Ministério Público Federal e no Estadual.
Segundo o secretário-geral do CFMV, Felipe Wouk, manter a orientação de não tratamento foi uma decisão que levou em conta a saúde pública e por não haver comprovações científicas de que o uso de remédios traz a cura do bicho e acaba com a chance de transmissão. “Nenhuma forma de tratamento, mesmo com medicamentos de uso humano, elimina da circulação sanguínea do cão a forma infectante do parasita. Aquilo que alguns advogam, que o tratamento torna o cachorro menos infectante e que o mosquito picando o bicho nessa condição terá pouca chance de transmitir a doença a uma pessoa, não procede.”
Para ele, a ação leva em conta a questão emocional da perda ao se ter de fazer a eutanásia do animal. “Também sentimos por isso, é da natureza humana, mas a decisão não pode ser encaminhada sozinha, sem considerar outros aspectos inegáveis cientificamente. Ele pode ter uma melhora com o tratamento, ficar mais ativo e diminuir as lesões de pele, mas não deixa de ser um elo na cadeia da epidemiologia da leishmaniose.”
O advogado Wagner Leão do Carmo criticou a atitude do conselho, afirmando que há uma contradição na posição da entidade com o que diz o Código de Ética da instituição. “Ele teria primeiro de revogar o seu Código de Ética para só então entender da forma que acha. O próprio código deles estabelece que o veterinário deve tratar o animal usando o material que julgar necessário.”
Ele lembra que, ao deixar de cuidar de um animal, o profissional pode responder a uma ação penal. “Pela lei de proteção ambiental e pela Declaração Universal de Defesa dos Animais, o bicho deve ter o melhor tratamento possível e ser protegido pelo homem. Qualquer ato que desrespeite a hierarquia das leis é ilegal.” Segundo Wagner Leão, a decisão do tribunal tem validade no Mato Grosso do Sul e em São Paulo – apesar de ainda caber recurso.
Para o Conselho Federal de Medicina Veterinária, a interpretação do Código de Ética foi equivocada. “Cabe ao veterinário a escolha da melhor forma de tratamento, desde que tratar aquele animal seja objeto não exclusivamente do bem-estar dele, mas também atendendo ao critério da saúde pública. Por isso, esse argumento, nessa situação e dito de forma fragmentada, é impreciso. Ele deixa de considerar um momento mais grave que o ato de tratar, que é impedir que uma zoonose seja transmitida ao ser humano”, afirma Wouk.
A médica veterinária Maíra Kaviski Peixoto, presidente da ONG Abrigo dos Bichos, alegou que durante anos foi divulgada no Brasil uma ideia de que era o cão quem ameaçava a saúde das pessoas. “Até hoje não se viram ações concretas contra o vetor e já está cientificamente comprovado que a eutanásia não é e nunca será o método mais eficaz de controle da leishmaniose. O poder público é obrigado a se voltar contra o verdadeiro vilão, que é o mosquito-palha, o real transmissor da doença.”
O Ministério da Saúde se manifestou em nota, reafirmando a posição de que os medicamentos utilizados para tratar a leishmaniose visceral humana não podem ser usados para a leishmaniose visceral canina. “Essa prática pode tornar o parasita causador da doença resistente às drogas atualmente disponíveis.” Além disso, tanto o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento quanto o Ministério da Saúde afirmaram que ainda não foram notificados sobre a decisão do TRF 3 para reverter a Portaria 1.426/08, mas devem recorrer.
A DOENÇA
Conhecida como calazar, a leishmaniose é uma doença grave e que pode levar à morte – principalmente de crianças, idosos e indivíduos com baixa imunidade. Segundo dados do site do Ministério da Saúde, de 2000 a 2011, 42.067 pessoas foram contaminadas com o protozoário no Brasil, e 2.704 morreram em decorrência da doença, o que indica que a cada 15 contaminados houve 1 morte.
Se comparada com a dengue hemorrágica (caso mais grave da doença), que também tem como vetor um mosquito, o índice de mortalidade é similar, mas foram 21.505 casos de contaminação e 1.412 mortes. Já levando em consideração todos os casos de dengue no mesmo período, de cada 3.800 indivíduos, 1 morreu. Isso indica que, se forem consideradas apenas as mortes no período, a leishmaniose matou mais pessoas do que a dengue. Porém, quase não há medidas efetivas de combate ao mosquito-palha.
Este ano já houve uma morte por leishmaniose em Campo Grande (MS). A Secretaria de Saúde (Sesau) da cidade confirmou o falecimento de Juliene Silveira, de 29 anos, diagnosticada com a doença. Ela foi internada no dia 31/12, mas não resistiu e morreu no início de janeiro.
O VETOR
A transmissão acontece entre pessoas ou animais, mas os cães são considerados os principais reservatórios do problema nos centros urbanos. A contaminação é causada pela fêmea do inseto Lutzomyia longipalpis, popularmente conhecido como mosquito-palha ou birigui, que se alimenta de sangue. Ela pica o cão ou pessoa infectada e ao picar um ser sadio faz com que o protozoário entre na corrente sanguínea e migre para os órgãos viscerais, como fígado e baço.
O problema era considerado um mal de áreas rurais, mas agora se alastra para os centros urbanos e especialistas cogitam de que há risco de infecções na capital paulista, em razão do grande número de cães e dos ambientes propícios para o seu desenvolvimento. O mosquito-palha não precisa de água para reprodução, ele prefere ambiente com matéria orgânica em decomposição para se multiplicar.
SINTOMAS NO HOMEM
Nos humanos, a doença provoca febre, desânimo, perda de peso, palidez, anemia e inchaço do fígado e do baço. A leishmaniose pode matar e quanto mais rápido for iniciado o tratamento maior é a chance de cura.
SINTOMAS NO CÃO
Existe uma grande variação de sintomas, mas observam-se mais comumente lesões de pele, úlceras, perda de peso, descamações, crescimento exagerado das unhas e dificuldade de locomoção. No estágio avançado, o mal atinge o fígado, baço e rins, levando o animal ao óbito.
PREVENÇÃO NOS CÃES
Combater o mosquito é primordial para a diminuição do problema. O uso de inseticidas nos ambientes e de repelentes, inclusive nos cães, é altamente recomendado. Tudo isso deve ser associado à higienização e saneamento básico. São recomendadas práticas de educação sobre a posse responsável e de controle da natalidade canina.
Existe também uma vacina preventiva, a Leishmune, da Pfizer Saúde Animal. Mas os cães devem fazer exames para atestar a saúde e que não são portadores da doença antes da aplicação da imunização.