05 de Fevereiro de 2016 | fonte: http://www.olharanimal.org/acoes-publicas/10939-jurisprudencia-do-stj-estabelece-que-veterinario-pode-trabalhar-de-graca
Os conselhos regionais de Veterinária não tem autoridade para proibir que os profissionais da categoria façam qualquer tipo de trabalho social. A jurisprudência foi estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2013, no julgamento de um caso de Santa Catarina. A discussão sobre o tema voltou à tona na terça-feira (2/2), depois que o Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) de São Paulo impediu que o profissional Ricardo Fehr Carmargo fizesse consultas e castrações de graça.
O ministro Og Fernandes, relator do caso catarinense no Superior Tribunal de Justiça, manteve a decisão da primeira instância, afirmando que a sentença “contém fundamentos de índole constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente para manter o julgado”.
Na Seção Judiciária de Florianópolis da Justiça Federal, o juiz citou o descaso do poder público com a situação dos animais abandonados e evocou a Constituição, que estabelece o direito ao meio ambiente equilibrado. Além disso, ressaltou que a lei que regula a atuação dos conselhos veterinários não dá direito a eles de comandar as atividades de controle populacional de cães e gatos.
“Seria necessário montar equação matemática para visualizar a imensidão de indivíduos das espécies canina e felina que poderiam advir a partir de duas ou mais ninhadas ao ano, com início de vida fértil desde tenra idade e por muitos anos. Nesse contexto, acentua-se a relevância social, sanitária e ambiental das campanhas de controle populacional de animais domésticos (em especial quanto aos animais que vivem nas ruas ou estão sob a guarda de famílias de baixa renda), inclusive com esterilização cirúrgica, associada à educação para guarda consciente e responsável de animais”, escreveu.
Comoção nas redes sociais
No caso mais recente, de São Paulo, o veterinário decidiu expor sua situação ao resto da sociedade. Ao ser proibido de continuar com o serviço gratuito, Camargo gravou um vídeo relatando a situação e publicou nas redes sociais. Rapidamente causou comoção, com mais de sete milhões de visualizações.
Pelo estatuto da profissão, o serviço gratuito só é permitido em casos de utilidade pública, e não pode ser feito sozinho. Em nota, o conselho esclareceu que ações desse tipo são aquelas feitas por entidades sem fins lucrativos, como ONGs, instituições públicas ou entidades e empresas a elas conveniadas.
"Vai ser aberto um processo ético, ele vai ser notificado, vai ter ampla defesa para se justificar e depois nós vamos ver dentro de uma sessão de especial de julgamento ético se ele tem culpa ou não. Tem diversas penalidades, até a cassação do exercício profissional", explicou o presidente do CRMV de São Paulo, Mário Eduardo Pulga, em entrevista ao portal G1.
Reserva de mercado inexistente
A posição do STJ é compartilhada pelo advogado Eduardo Vital Chaves, sócio e responsável pela área de Contencioso Cível Empresarial, Administrativo e Regulatório do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.
Ele entende que o veterinário pode tomar medidas para regularização como vínculo a uma sociedade civil, entidade, ONG ou instituição de utilidade pública para pleitear apoio e verbas. E, assim, afastar a ameaça de suspensões. Porém, esse passo não é obrigatório. Segundo o advogado, o conselho busca evitar a chamada captação de clientela. “Mas, convenhamos, a reserva de um mercado que não tem condições de gerar uma receita palpável não é coerente”, comenta.
Para Marcus Vinicius Macedo Pessanha, sócio do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados, a regulação do CRMV visa o interesse público, mas é preciso observar o outro lado. “O excesso de animais doentes e abandonados afronta o senso comum e o sentimento de compaixão inerente ao ser humano. Impedir um profissional de atuar caritativamente na redução do sofrimento desses animais é uma distorção da atividade regulatória, que está sendo exercida de forma contrária ao interesse público”, diz.
Nota do Olhar Animal: Recomendamos aos veterinários que sofreram constrangimentos por parte dos CRMVs em suas atividades, por conta do preço reduzido ou mesmo da gratuidade de seus serviços, que estudem a possibilidade de processar judicialmente aqueles órgãos por danos morais. E, assim, ponham fim na atuação arrogante e ilegal que há anos impede que veterinários conscientes e sensíveis ao drama vivido pelos animais atuem livremente, sem temor de punições, em especial de serem impedidos de exercer dignamente sua profissão.
Nota do Olhar Animal 2: Instigados por uma internauta, procuramos um jurista (que também é professor universitário) para esclarecer pontos desta notícia. A primeira observação dele foi a de que o caso de SC é um precedente (e não "jurisprudência", visto que é exemplo único até onde se sabe). Também foi indicado pelo jurista que, a princípio, a decisão do STJ restringe-se ao procedimento de esterilização. Por outro lado, o Ministro, ao proferir sua sentença, baseou-se fortemente na relevância social do trabalho das veterinárias. Portanto, supõe-se que, argumentando-se pela relevância social também de outras ações veterinárias (como as consultas), veterinários poderão obter êxito na Justiça para que outras práticas possam ser executadas gratuitamente ou a preços reduzidos.